A VENDA CASADA, NA MAIORIA DAS VEZES, É ILEGAL

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990) não proíbe o fornecedor de oferecer promoções ou vantagens aos clientes que queiram adquirir mais de um produto. Mas proíbe expressamente condicionar a venda de um produto a outro. O referido diploma legal considera como abusiva, e, como tal, proibida, no art. 39, inciso I, a prática adotada pelo fornecedor de produtos ou serviços de “...condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;” Em outras palavras: trata-se da venda casada que, por sua vez, é caracterizada por vincular a venda de bem ou serviço à compra de outros itens ou pela imposição de quantidade mínima de produto a ser comprado (é o típico caso em que o fornecedor garante a venda “se” e “somente se” o consumidor adquirir certa quantidade do produto).
O posicionamento que predomina na jurisprudência e na doutrina é a de que não se pode interpretar o Código do Consumidor de modo a tornar qualquer encargo atribuído ao consumidor como abusivo, sem observar que as relações contratuais se estabelecem, igualmente, através de regras de Direito Civil. Em se tratando de venda casada, somente o caso concreto pode dar respostas para um suposto delito.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ em várias ocasiões já proferiu decisões sobre o tema. Segundo o STJ, a prática de venda casada se caracteriza quando uma empresa usa do poder econômico ou técnico para obstar a liberdade de escolha do consumidor, especialmente no direito que tem de obter produtos e serviços de qualidade satisfatória e a preços competitivos.
Em um julgamento ocorrido em 2008, a Terceira Turma do Tribunal considerou que o mutuário não está obrigado a adquirir o seguro habitacional da mesma entidade que financie o imóvel ou por seguradora por ela indicada, mesmo que o seguro habitacional seja obrigado por lei no Sistema Financeiro de Habitação. (Resp 804.202).
É venda casada também condicionar a concessão de cartões de crédito à contratação de seguros e títulos de capitalização (Ag 1.204.754). Em um outro recurso julgado em 2009, o STJ decidiu que um posto de gasolina não poderia vincular o pagamento a prazo da gasolina à aquisição de refrigerante por afrontar o direito do consumidor. Embora o fornecedor tenha direito de decidir se o pagamento será a vista ou a prazo, não pode condicionar a venda de um produto a outro, como forma de suposto benefício (Resp 384.284).
Diversas são as situações de venda casada realizadas na oferta de pacote turístico. Em 2008, um consumidor comprou uma viagem para Cancun, no México, no qual passagem, hotel, serviços de passeio e contrato de seguro de viagem foram vendidos de forma conjunta pela operadora, embora a responsável pelo contrato de seguro fosse outra empresa (Resp 1.102.849).
Sofrendo de problemas cardíacos e necessitando de atendimento médico, o consumidor realizou uma série de despesas no exterior. Na hora de pagar a conta, requereu a condenação solidária da operadora de turismo, que vendeu o pacote de turismo, e da seguradora.
A empresa que vendeu o pacote sustentou que se limitou a organização da viagem com reservas em fretamento pela companhia aérea, diárias do hotel, traslado e guia local. Paralelamente ao contrato do pacote de viagem, pactuou o contrato de seguro com outra empresa, a qual devia responder pelas despesas realizadas.
Os ministros entenderam que a responsabilidade solidária da empresa de turismo deriva, no caso, da constituição de uma cadeia de fornecimento com a seguradora que realizou contratação casada, sem que se tenha apontado ação individual da voluntariedade do consumidor na determinação das condições firmadas.
O STJ tem decisões no sentido de que uma vez comercializado pacote turístico, nele incluindo transporte aéreo por meio de voo fretado, a agência de turismo responde pela má prestação do serviço (Resp 783.016).
Outra decisão garante que agência de viagens responde por danos pessoais ocasionados pelo mau serviço prestado em rede hoteleira, quando contratados em pacote turístico (Resp 287.849).
Em 2011, o STJ pacificou o entendimento de que nos condomínios em que o total de água consumida é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança do valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades residenciais (Resp 1.166.561).
O recurso foi interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que pedia o reconhecimento da legalidade da cobrança de água multiplicando a tarifa do consumo mínimo pelo número de unidades no condomínio, nos meses em que o consumo registrado tiver sido menor que a cota estabelecida. A companhia alegava que essa modalidade de cobrança é legal e não proporcionava lucros arbitrários à custa do usuário.
Os ministros da Primeira Turma entenderam que a cobrança consistente na multiplicação da tarifa mínima pelo número de residências de um condomínio não tinha amparo legal. Para o relator, ministro Hamilton Carvalhido, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos condôminos, obrigando os que gastaram abaixo do mínimo a não só complementar a tarifa, como também a arcar com os gastos de quem consumiu acima da cota.

Rizza Virgínia Silvério Porto de Sant’Ana
Assessora Jurídica
E-mail: juridico@federaminas.com.br


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