Está na hora de mudar a legislação trabalhista

Projeto de sindicalistas abre o debate e pode levar o governo a reformar a CLT.
Chegou o momento de os empresários também contribuírem com sugestões

Pode-se dizer que a necessidade de modernização das relações de trabalho no Brasil não encontra resistência em nenhum setor no país.
Nem mesmo o governo federal deixa de admitir a necessidade de reformar uma lei editada na década de 40 do século passado. Mas o que se vê hoje, na opinião do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, é o imobilismo do Estado em promover a reforma.
“Está mais do que hora de terminar com a ‘indústria das ações trabalhistas’ que coloca o Estado sob a regência de leis pré-históricas como um verdadeiro perdedor. A realidade é uma só: são milhões de novas ações trabalhistas a cada ano que somente oneram a administração pública”, diz o presidente da CACB, José Paulo Dornelles Cairoli. Já existe consenso entre os juristas, empresários e trabalhadores de que é preciso uma lei que abra campo para uma negociação entre o capital e o trabalho. De imediato, segundo o presidente do TST, em entrevista ao jornal O Globo, além de suprir as lacunas, pois em vários pontos a legislação é omissa, seria preciso revisar e atualizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para permitir, pelo menos, uma ampliação da autonomia dos sindicatos para negociar com as empresas em determinadas condições.
Entretanto, apesar das evidências não existe nenhuma iniciativa concreta por parte do Executivo nessa linha e nem mesmo por parte das entidades representativas do setor privado. Diante da pressão por mudanças o quadro pode mudar, haja vista o anteprojeto do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, baseado no modelo alemão, que no último dia útil de setembro foi entregue ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
Na prática, a proposta precisa ser mais bem avaliada, pois permite que, em caso de difi culdades econômicas, os salários e a jornada de trabalho sejam reduzidos de forma temporária. Abre caminho também para a utilização mais ampla do banco de horas, pelo qual os trabalhadores cumprem horas extras sem receber adicional, o que é compensado com folgas programadas. Os acordos entre empregados e empresas, segundo o anteprojeto, seriam fi rmados por meio do Comitê Sindical de Empresa (CSE), e as normas à margem da CLT comporiam um acordo coletivo de trabalho.
A iniciativa ganhou até mesmo a simpatia do presidente do TSE. “Essa proposta me entusiasma, pois o que se quer é regulamentar o comitê sindical de empresa, que é a antiga comissão de fábrica, ou seja, a representação dos empregados pelo local de trabalho”, avaliou. “Permitir que, no próprio local de trabalho, haja eleição direta de representantes dos empregados e que ali se inicie uma negociação válida sobre direitos trabalhistas é uma forma de agilizar a solução dos conflitos, diminuir a litigiosidade e atenuar o rigor da CLT, que gera hoje situações desconcertantes”, completou.
Hoje, segundo ele, empresas e sindicatos não podem negociar o fracionamento das férias em três pagamentos; não podem negociar a redução do intervalo do descanso do almoço para 45 minutos e, em contrapartida, encerrar o expediente 15 minutos antes. Além disso, as empresas fi cam sujeitas a multa e pagamento de hora extra, caso o empregado reclame na Justiça.
Também favorável ao anteprojeto do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Fernando Alouche, do escritório Almeida Advogados (SP), afirma que caso seja aprovado pelo Congresso Nacional seria uma maneira de dar voz aos empregados e fazer com que a autonomia da sua vontade tivesse amparo e sustentação jurídica, representando uma evolução. “Claro que a flexibilização não pode signifi car perda de direitos fundamentais, pois estes são conquistas históricas e necessárias, mas sim devem ter a conotação de adaptação aos novos tempos e anseios tanto do lado do trabalhador quanto do lado das empresas”, assinala. Segundo o ministro Gilberto Carvalho, o governo federal também reconhece a importância e apoia a iniciativa do Sindicato do ABC. “Represento a presidente Dilma e posso dizer que esse projeto vai nos ajudar a abrir o debate sobre a transformação das relações de trabalho em todas as categorias no país”, ressaltou Carvalho, segundo matéria publicada no site do Sindicato. O próprio presidente da Câmara, deputado Marco Maia, presente no evento em que foi entregue o anteprojeto, revelou que a proposta poderá até mesmo ter uma tramitação rápida, porque, segundo ele, “a lei procura melhorar as relações no local de trabalho com o aumento da representação dos trabalhadores”.

Existe consenso entre os juristas, empresários e trabalhadores de que é preciso uma lei que abra campo para uma negociação entre o capital e o trabalho
Atualmente, as empresas e os sindicatos não podem negociar o fracionamento das férias em três pagamentos, nem a redução do intervalo do descanso do almoço para 45 minutos e, em contrapartida, encerrar o expediente 15 minutos antes

Anteprojeto é resultado de três anos de estudos
Resultado de três anos de estudos e debates e da experiência de 30 anos de organização sindical dos metalúrgicos do ABC nas fábricas, o anteprojeto de lei de Acordo Coletivo Especial (ACE) pretende fortalecer a representação sindical no local de trabalho, valorizar e dar segurança à negociação coletiva e modernizar as relações de trabalho. “Debati o projeto com todos que pretendem fazer avançar as relações de trabalho no Brasil. Conversei com trabalhadores, sindicalistas, juristas, políticos, o poder público, empresários e acadêmicos e aprendi muito durante todo esse processo”, disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, Sérgio Nobre, na entrega do documento ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho,durante evento na sede do sindicato em 29 de setembro. “Não pretendemos mudar a CLT nem a estrutura sindical. Queremos negociar acordos coletivos valorizando a negociação para superar problemas naturais da relação entre capital e trabalho”, afi rmou. Ainda não está certo se o governo adotará o projeto como seu e o enviará ao Congresso. A presidente costuma pedir análises detalhadas dos projetos que considera interessantes, para depois decidir se os levará adiante ou não. Para colher mais subsídios, um grupo deverá ir à Alemanha nas próximas semanas.

O que falta na CLT
“A CLT é uma regulação rígida e fundada na lei federal, que praticamente engessa toda relação entre patrão e empregado; segundo, é excessivamente detalhista e confusa, o que gera insegurança jurídica, e, inevitavelmente, descumprimento, favorecendo o aumento de ações na Justiça; e terceiro, está cheia de lacunas. O mundo e a sociedade evoluíram. Tudo mudou, exceto a legislação trabalhista. Nós nos ressentimos de leis sobre terceirização, despedida em massa ou coletiva, de lei federal sobre assédio moral e sexual. De uma lei que adote no país novos tipos de contratos trabalho. Na Espanha, há o trabalho autônomo economicamente dependente de outro. É uma forma de prestação de trabalho em que não há vínculo empregatício, mas tem direitos específi cos em função da forma como o serviço é prestado. Podíamos pensar na adoção de outros tipos de contrato como uma forma de inclusão no mercado de trabalho de milhões de trabalhadores informais.”
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen
 
“Falta ela refl etir os tempos atuais e dar mais autonomia aos envolvidos na relação de trabalho. O empregado e empregador de hoje não são os mesmos do momento da sua criação. Hoje o empregado está, no geral, mais esclarecido, é mais ciente de seus direitos e tem mais acesso à informação, seja pela internet, com advogados, televisão, dentre outros meios. Da forma com que está redigida, a CLT continua olhando o empregado como aquela pessoa que precisa de proteção extrema, pois possui leis e determinações infl exíveis que não permitem que este tenha autonomia da vontade, engessando a relação trabalhista. Como exemplo, podemos citar uma problemática enfrentada pelas empresas do ramo da tecnologia da informação – TI, cujos profi ssionais, em grande número, desejam ser contratados através da respectiva empresa pessoal em vez de possuir o vínculo celetista, visando economizar com impostos e, por vezes, prestar serviços para mais um empregador. Nesta situação, mesmo com o empregado esclarecido e manifestando sua vontade no sentido da contratação por PJ, isso não é válido perante a legislação, podendo a empresa sofrer pesadas condenações judiciais e multas administrativas.”
Luiz Fernando Alouche, do escritório Almeida Advogados (SP)


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