O Fim do Emprego de Carlitos

Se Chaplin fizesse um filme retratando a realidade do emprego nas grandes corporações, certamente Carlitos não estaria girando nos eixos metálicos das indústrias. Provavelmente seria um homem engravatado sentado em uma baia com um computador à sua frente e uma pilha de papéis ao seu lado.

Com aquele jeito desastrado que só Chaplin conseguia interpretar, o novo Carlitos correria de um lado para o outro com um celular na mão, gritando ao telefone e dizendo para as pessoas que não tinha mais tempo. O tempo que antes era ditado pela velocidade da máquina, agora é comandado pela agilidade das informações e dos acontecimentos. Carlitos seria o exemplo do executivo trabalhador que fez de tudo pela empresa e em um belo dia é demitido e perde o emprego.

Neste cenário melodramático, o desempregado Carlitos acaba ficando sem perspectivas e o dinheiro vai acabando, as opções vão se esgotando e as organizações o rejeitam devido à sua idade. Ele não serve mais, está velho e desatualizado. No final do suposto filme, Carlitos viraria um vagabundo, sentado na calçada pedindo esmola ao lado de seu adorável cão, seu único e verdadeiro amigo nesta sociedade pós-moderna. Agora, por ironia do destino, ambos teriam todo tempo do mundo para pensar na vida, nas pessoas e no fim do emprego.

"A sociedade em que cada qual podia esperar ter um lugar, um futuro direcionado, uma segurança, uma utilidade, essa sociedade - a sociedade do trabalho - está morta" - André Gorz, sociólogo francês.

Embora o cenário que descrevi seja uma sátira aos nossos "tempos modernos", retrata a realidade vivida por milhares de executivos que se deparam com uma sociedade que vive o fim do emprego. Uma sociedade onde a máquina substituiu o homem e os novos modelos de gestão demandam estruturas mais enxutas, criando assim uma legião de pessoas sem trabalhos tradicionais.

Esse artigo tem como principal objetivo levantar questões sobre o paradoxo que existe na nova sociedade sem emprego - quanto mais os seres humanos buscam a segurança, mais se afastam dela. No entanto, o texto não tem a pretensão de responder estas questões complexas, apenas levar o leitor à reflexão.

Para começar o exercício mental, pensemos sobre a origem da busca pela segurança. O que leva uma pessoa a querer trabalhar com horários rígidos, ter um salário mensal e se sujeitar a ter um chefe: será que a família é a base do pensamento focado na segurança? Em seguida refletiremos sobre a nova sociedade sem emprego, buscando entender se existe atualmente segurança dentro das organizações. Existe alguma garantia em uma carreira focada em organizações formais? Por fim pensemos sobre o empreendedorismo e formas alternativas de geração de renda. Será que o empreendedor é o personagem central desta nova sociedade?

Estas três perguntas estão longe de serem suficientes para esgotar um assunto de tamanha complexidade, mas servem de faísca para acender o barril de pólvora que está prestes a explodir. Finalmente, faço uma breve conclusão, trazendo uma opinião própria a fim de expressar meu otimismo frente ao cenário exposto.

* Será que a família é a base do pensamento focado na segurança?
A família é, sem dúvida, a primeira referência organizacional que o ser humano possui. Ser membro de uma família significa receber um sobrenome e saber que todo dia alguém - o pai ou a mãe - estará garantindo o sustento desse grupo. Durante anos o indivíduo convive com esta referência em sua mente, uma estrutura paternalista ou matriarcal que garante sua subsistência lhe provendo alimento, educação, saúde e segurança. A pessoa acorda de manhã e sabe quais são os seus deveres, possui uma vida regrada e cheia de rotinas impostas pela família. Quando está no colégio é cobrado pelas suas notas e recebe mesada para comprar artigos de sua necessidade.

Não seria esta a estrutura adotada também pelas empresas? As companhias fornecem ticket restaurante, treinamento, plano de saúde e plano de carreira aos seus funcionários. O trabalhador recebe salário mensal e também é cobrado por resultados. Até sobrenome o funcionário recebe, passa a ser reconhecido como "fulano" da empresa XYZ. O colaborador tem hora para entrar e sair; além disso, tem que pedir permissão à chefia, caso tenha que se ausentar para resolver problemas pessoais.

Quando pensamos que uma pessoa passa em média os primeiros vinte anos da sua vida imersa na organização chamada "família", surgem algumas perguntas, tais como:
- Será que a família afeta a decisão do indivíduo de trabalhar para uma organização ou se arriscar em seu próprio negócio? Até que ponto?
- Famílias empreendedoras geram filhos empreendedores? Seria a hora das famílias prepararem seus membros para a nova sociedade sem emprego, ou seja, sendo menos superprotetoras?
- Será que as pessoas identificam nas organizações a segurança que sempre tiveram nas suas famílias? Há relação subconsciente entre família e organização?

De acordo com o antropólogo Roberto DaMatta, o indivíduo convive a um só tempo com duas realidades antagônicas. Uma, "institucionalista", que segue a lógica da economia e representa a realidade do mercado no qual as empresas estão inseridas. A outra, pode se chamar "culturalista", em que a ênfase é concedida ao elemento cotidiano dos usos e costumes, da nossa tradição familiar, ou "da casa" na linguagem de DaMatta. O choque cultural acontece quando a pessoa percebe a diferença existente entre "a casa" e "a rua", entre a proteção e a liberdade de escolha, quando encara o fato de que o mercado é seletivo e exclusivo.

Este choque identificado por DaMatta está se evidenciando a cada dia, onde a segurança da casa não pode ser mais encontrada nas organizações formais. O
turnover que antes era de 20 anos, agora passou a ser de três anos. As pessoas não sabem se estarão empregadas amanhã, gerando uma insegurança acentuada. Desta forma, somos levados a questionar se existe de fato alguma garantia em uma carreira focada em organizações formais.

* Existe segurança em uma carreira focada em organizações formais?
O processo acelerado de mudança está deixando sequelas nos milhares de profissionais que foram treinados pela busca da segurança no emprego. Até a última década, as pessoas vestiam a camisa da empresa e mantinham a imagem da grande família, projetavam suas aspirações nas organizações e confiavam o futuro na figura da corporação. Sofrendo um processo de mutação, as companhias deixaram de ser paternalistas e se tornaram competitivas e predadoras, pressionadas pelos acionistas e por suas metas agressivas.

Neste cenário, nosso herói Carlitos perde seu emprego, não faz parte daquela família acolhedora e superprotetora. A partir deste momento Carlitos não tem mais um sobrenome, perdeu sua identidade do dia para a noite. A falsa grande família corporativa fechou a porta na sua cara e não o quer de volta, porque ele não serve mais, não tem o perfil da empresa mutante e sua idade já é avançada para os novos padrões.

Na busca de um novo trabalho, Carlitos enfrenta filas, faz entrevistas, envia currículos, liga para todos seus conhecidos, mas descobre que agora, sem sobrenome, ele é mais um no meio da multidão de desempregados ou subempregados. As pessoas não recebem mais suas ligações e não lhe dão atenção, logo ele que era um especialista e um profissional respeitado por todos. Sem ter emprego, ele senta na calçada em frente ao Fórum de Justiça do Trabalho e chora. Chora a indignação de estar despreparado para o mercado de trabalho formal.

Em seu livro, "O Horror Econômico", Viviane Forrester descreve bem a Via Crucis do desempregado. Diz ela: "o desemprego invade hoje todos os níveis de todas as classes sociais, acarretando miséria, insegurança, sentimento de vergonha, em razão essencialmente dos descaminhos de uma sociedade que o considera uma exceção à regra geral estabelecida para sempre. Uma sociedade que pretende seguir seu caminho por uma via que não existe mais, em vez de procurar outras. (...) Resulta daí a marginalização impiedosa e passiva do número imenso, e constantemente ampliado, de 'solicitantes de emprego' que, ironia, pelo próprio fato de se terem tornado tais, atingiram uma norma contemporânea; norma que não é admitida como tal nem mesmo pelos excluídos do trabalho, a tal ponto que estes são os primeiros a se considerar incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais. São levados a se considerar indignos dela e, sobretudo, responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante e até censurável. Eles se acusam daquilo de que são vítimas".

Partindo deste princípio que profetisa o fim do emprego nas organizações formais, gerando uma legião de desempregados fruto de uma sociedade globalizada, informatizada e dinâmica, algumas perguntas surgem:

- Organizações formais ainda são uma opção inteligente no longo prazo?
- Se não existe segurança nas organizações formais, por que as pessoas se mantêm fiéis a este modelo? Será que estão repetindo um padrão de comportamento?
- Será que as empresas, ao mexerem no pilar da segurança, podem gerar nos trabalhadores a vontade de desenvolverem seus próprios negócios, ao invés de ficarem à mercê das escolhas das organizações?

A partir da última pergunta construiremos outra ainda mais desafiadora: será que o empreendedor é o personagem central desta nova sociedade? De acordo com Joseph Schumpeter, "o empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos recursos e materiais". Desta forma o empreendedor é responsável pela criação de novos negócios, mas também pode inovar dentro de outros já existentes, ou seja, é possível ser empreendedor dentro de empresas já constituídas. A figura desse personagem vem substituir o funcionário, a segurança dá lugar às incertezas oferecidas por um mercado dinâmico.

Talvez uma das principais características do empreendedor seja a capacidade de projetar visões do mercado, identificando dentro deste cenário imaginário sua participação. Ver à frente do seu tempo e se posicionar para estar no lugar certo na hora certa é algo que diferencia um empreendedor das demais pessoas. De acordo com Lois Jacques Filion, "o empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões". Para ele, a visão é uma imagem projetada no futuro, do lugar que se quer ver ocupado pelos seus produtos no mercado, assim como a imagem projetada do tipo de organização necessária para consegui-lo.

Assim como projetar visões é fundamental em um mercado dinâmico, os desafios também afloram a criatividade. Não há criatividade sem um problema referente, assim como não há problema sem alguma solução. A busca por saídas é o grande estímulo às potencialidades humanas para a criação. Essencialmente a criatividade é uma função psicobiológica que todos possuem e que deve ser apenas reativada ou treinada. Para Abraham Maslow, psicólogo humanista, "o homem criativo não é o homem comum ao qual se acrescentou algo; o homem criativo é o homem comum do qual nada se tirou". Existe, portanto, em cada adulto uma criança com imaginação esperando apenas a oportunidade para revelar-se.

O sentido empreendedor da criatividade está na validação do que se cria, isto é, na resolução de problemas do mundo real. Os espaços abertos da criatividade são ilimitados e podem também gerar devaneios, que embora sejam ricos como exercícios mentais, não se apresentam como úteis no dia-a-dia das pessoas. A utilidade da criatividade empreendedora está na inovação e na geração de novos contextos nas diversas áreas das atividades humanas, tanto de tecnologia como de comportamento.
Esta busca por saídas criativas e pela identificação do novo cenário faz com que os empreendedores se adaptem melhor ao mercado que as pessoas focadas no emprego tradicional.

O quadro comparativo entre empregado e empreendedor demonstra com maior clareza estas características:

Quadro empreendedor

Para que o trabalho final de pensamento organizacional não seja concluído apenas com dúvidas e questões abertas, fecho com uma posição otimista frente esta nova sociedade que surge. Acredito que a sociedade sem emprego é, na verdade, uma sociedade repleta de oportunidades para aqueles que estão preparados. O equívoco está na crença que a segurança habita o emprego quando realmente está no vizinho chamadotrabalho. A casa ao lado é próspera, mas as pessoas insistem em bater na porta da mansão abandonada. No passado, a mansão abrigava todo mundo, mas os tempos mudaram, o mundo mudou e a realidade é que a era do emprego está chegando ao fim. Nasce a era dos empreendedores, a era do ócio criativo e das profissões alternativas.

A fim de nos adaptarmos a esta realidade, teremos que responder estas e outras perguntas que nos levarão a mudar nossa forma de pensar e agir. Este movimento passa desde questões complexas como a criação dos nossos filhos, a educação que fornecemos e as atitudes a serem desenvolvidas a fim de criarmos agentes de mudança, e não vítimas do mercado. Estas perguntas também nos levam a refletir sobre os caminhos a serem adotados em nossas carreiras e como nos direcionarmos para um negócio que não valoriza o empregado tradicional.

Por fim, estas questões nos preparam para o momento vivido por Chaplin no suposto filme, a hora que o executivo eficiente perde seu emprego e se encontra desempregado. Será que somos obrigados a aguardar este momento para que sepultemos o empregado que existe em cada um de nós, a fim de dar a luz ao espírito empreendedor?


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