GOLEADA DE OPORTUNIDADES

A Copa 2014 atrairá muitos turistas e aumentará a demanda por produtos e serviços, mas o varejo precisa estar preparado para aproveitar o bom momento

Depois de 64 anos, o país do futebol vai sediar mais uma vez a maior competição desportiva do mundo. O evento é simplesmente o mais visto em todo o planeta.
Em 2014, todas as atenções estarão voltadas para o Brasil. Não é à toa que um acontecimento de proporções gigantescas como este seja considerado pelo governo federal e pela iniciativa privada como uma excelente ferramenta para alimentar o crescimento econômico. Isso sem contar na chance que o País terá de lapidar ainda mais a boa imagem que vem conquistando lá fora. E o setor varejista, como não poderia deixar de ser, é peça fundamental nesse processo. No entanto, ainda há muito o que ser feito.
“O varejo vive da sazonalidade, de datas especiais. São situações como a Copa no Brasil que suscitam os desejos de comprar, de substituir produtos. É evidente que um evento dessa natureza vai trazer benefícios para a comercialização de bens e serviços”, destaca o professor e presidente do conselho do Programa de Administração de Varejo, da Fundação Instituto de Administração (Provar/FIA), da Universidade de São Paulo (USP), Claudio Felisoni.
Segundo o especialista, alguns trabalhos já foram feitos levando em consideração o impacto do torneio mundial no Produto Interno Bruto (PIB) do País. “O varejo de bens representa 52% do consumo das famílias. Se tirarmos o consumo de automóveis, motos, peças e combustível, tradicionalmente debitados como peso, pelo valor médio alto, significaria aproximadamente 42%. Ao considerarmos esses percentuais e as estimativas que se tem com dados em outras iniciativas como esta, significa que essa expansão deve ficar em torno de 0,2 ponto percentual a 0,5 ponto percentual do PIB. É um valor grande, particularmente em um momento que a economia mundial vive uma desaceleração”, diz Felisoni.
 
De acordo com o professor, ainda é difícil definir com muita exatidão quais segmentos varejistas serão mais beneficiados. No entanto, ele acredita que boa parte da expansão fique por conta de serviços. No que se refere à comercialização de bens, enumera alimentos, vestuário, informática e eletroeletrônicos como os mais prováveis de apresentarem resultados elevados. “Há sempre um aumento na venda de televisões em copas do mundo. As pessoas procuram trocar por um aparelho melhor para assistir aos jogos”, afirma. Já o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Junior, defende que todos os segmentos do setor serão atingidos positivamente pela competição. No entanto, também indica que alguns terão mais destaque. “Todo aquele ligado a vestuário e calçados, serviços dos mais variados, além de produtos de higiene e limpeza”, diz.
Pequenos e médios
As grandes redes varejistas, segundo o professor Claudio Felisoni, devem apresentar melhores resultados com o Mundial de Futebol do que os pequenos e médios comerciantes.
“Esses grupos têm condições mais amplas de manter e melhorar suas margens, não só no que diz respeito a eventos como esses, mas de uma maneira geral.” No entanto, as chances de ganhos para os pequenos também existem e são bem promissoras. Tudo depende de como cada lojista vai se planejar e se organizar visando o acontecimento em 2014.
Atualmente, o comércio varejista corresponde a mais da metade de um total de 5,9 milhões de micro e pequenas empresas existentes no País. “Esta representatividade já mostra a importância de receber investimentos na preparação para a Copa do Mundo”, destaca o presidente do Sebrae Nacional, Luiz Barretto.
Segundo o executivo, nos próximos anos, a entidade prestará auxílio para estas empresas melhorarem a gestão e incluírem o conceito de inovação no seu cotidiano. “Essa é a principal maneira de torná-las mais competitivas. Além disso, os investimentos que forem feitos para o evento serão o legado que terão, podendo se beneficiar mesmo após sua realização”, diz. Foi pensando nesse potencial econômico e nas necessidades dos comerciantes que o Sebrae, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), desenvolveu o estudo “Mapa de Oportunidades para as Micro e Pequenas Empresas nas Cidades-Sede”. De acordo com o levantamento, somente o comércio varejista deve gerar 122 oportunidades de negócios para essas empresas.
“No período que antecede a realização da Copa do Mundo, os mais beneficiados serão o comércio de materiais de construção, devido ao grande número de obras que serão realizadas; e alimentos e bebidas, pelo aumento contínuo no fluxo de turistas, resultando em uma maior demanda de hotéis, bares e restaurantes”, afirma o presidente. Já durante a competição, o ganho mais significativo ficará por conta de alimentos e bebidas, vestuário e acessórios, material esportivo, presentes, artesanato e produtos que trabalhem a identidade local. 
 

O mapeamento também mostra quais os requisitos que as micro e pequenas empresas devem atender para aproveitar as oportunidades que serão criadas. A pesquisa é uma das ações previstas no Programa Sebrae 2014, criado exclusivamente para ajudar os empresários de pequeno porte no que se refere ao evento no Brasil, e que receberá, até 2013, investimentos de R$ 80 milhões. Além dessa iniciativa, há ainda outras que serão colocadas em prática.
A primeira delas terá o objetivo de tornar os espaços comerciais mais atrativos, seguros e valorizados. “Para isso faremos a articulação entre empresários, instituições públicas, privadas e comunidade para a realização de ações conjuntas para desenvolvimento de um plano estratégico, definição demarca e identidade visual do espaço comercial, promoções de vendas e melhorias na infraestrutura do espaço comercial, por exemplo, e sempre valorizando a história e a cultura presentes na região”, destaca Barretto.
A segunda iniciativa é o Projeto Inovarejo, de âmbito nacional, voltado para o acesso à automação comercial, ao comércio eletrônico e aos meios eletrônicos de pagamento. “O custo para um investimento como esse não é alto, e é uma solução que tornará a empresa mais competitiva no mercado, e com mais chances de ter sucesso antes, durante e depois da realização dos jogos”, diz. Lembrando que, principalmente os turistas estrangeiros, devem utilizar prioritariamente cartões de crédito e débito. Já a terceira ação é a publicação da cartilha “Inove com Normas Técnicas”, idealizada em parceria com a Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT). O material vai abordar quais os requisitos que a norma da ABNT voltada ao comércio apresenta para que um empreendimento tenha qualidade em serviço.  Além do Programa Sebrae 2014, a instituição conta com outros programas que têm como objetivo justamente auxiliar a melhorar a gestão, como: Sebrae Mais, Sebraetec, Negócio a Negócio e o Agentes Locais de Inovação.
 
Dever de casa
Planejamento, inovação e atendimento de qualidade são as palavras de ordem para aqueles comerciantes que quiserem aproveitar as chances de negócios criadas pela Copa de 2014. Por isso, quem ainda não começou a se preparar já está perdendo tempo. “Os empresários devem começar desde já, pois em 2013 teremos uma prévia da Copa do Mundo, que será a Copa das Confederações”, defende o presidente do Sebrae.
Segundo o professor da USP, Claudio Felisoni, só é possível administrar aquilo que se conhece. “É hora de parar e pensar em estratégias e soluções que estejam mais conectadas com o seu negócio. Podem ser roupas ou outros produtos que remetam à ideia da Copa”, sugere. Mas o especialista também deixa claro que não é o caso, por exemplo, de se lançar uma loja exclusivamente para o torneio. “A não ser que se tenha uma ideia muito original, como foi com a vuvuzela (aquela corneta) na África do Sul. Mas, mesmo assim, é muito arriscado. A Copa é um evento muito pontual, e tem como as atividades já estabelecidas se especializarem e tirar proveito delas”, aconselha.
Para Felisoni, o que acaba contando mais não é nem tanto o que se vende, mas como se faz. O ganho, na maioria das vezes, acontece à medida que a loja tem um serviço que permite que o consumidor seja melhor atendido. É um trabalho de preparação da mão de obra que já pode – e deve – ser feito gradativamente até 2014. “Haverá muito mais turistas estrangeiros no País. Saber dizer ‘bom dia’ e ‘boa tarde’ em inglês, por exemplo, e conhecer bem seus produtos são orientações muito básicas, quase rasas, mas que não podem ser deixadas de lado”, enfatiza.
Já existem algumas iniciativas que fornecem esse tipo de apoio. O Sebrae, por exemplo, desenvolveu uma parceria com a Escola do Transporte, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e com o Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat) para capacitar os taxistas na área de gestão e também nos idiomas inglês e espanhol. “Certamente os turistas serão melhor recebidos, mas, assim como nos demais ramos de atuação, o objetivo do Sebrae é preparar este profissional para crescer e se desenvolver, ampliando os negócios mesmo após a Copa”, diz o presidente Luiz Barretto.
Ainda sobre cursos de línguas, as Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDLs) de algumas cidades, de acordo com o presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Junior, já estão fazendo algo nesse sentido. Da mesma forma, o Senac também oferece cursos específicos nessa área. Mas, além de melhorar a qualidade de atendimento, Pellizzaro Junior afirma que é preciso investir no portfólio de produtos para o Mundial. “Estamos falando de um perfil de cliente que não faz consulta de preço, que está disposto a gastar. Quer encontrar aquilo que deseja e quando deseja. São pessoas que viajam, e que exigem facilidades e velocidade na aquisição de bens e serviços, além, é lógico, da qualidade”, enfatiza.
 
Além das cidades-sede
A Copa do Mundo de 2014 acontecerá em 12 cidades. No entanto, há outros municípios brasileiros, principalmente os turísticos, que devem receber visitantes nesse período. “Será um evento do Brasil, movimentando a economia de todo o País. Os turistas que vierem aproveitarão para conhecer todos os nossos destinos, fazendo com que haja uma intensa movimentação.
Por isso o comércio varejista, mesmo daquelas cidades que não receberão os jogos, precisa estar preparado da mesma maneira: com planejamento e inovação”, ressalta o presidente do Sebrae Nacional. Luiz Barretto cita João Pessoa e Florianópolis como dois bons exemplos de cidades que ficam entre duas sedes e que estão desde já se preparando para aproveitar as oportunidades que serão geradas.
O consultor do Provar/FIA afirma que, apesar de ser óbvio que os benefícios vão se materializar muito mais nos locais onde acontecerão os jogos, também haverá um espalhamento.
“No caso do Brasil, tendo o País características de expressão continental, onde os deslocamentos não são tão simples, as ações devem ficar bastante mitigadas fora das regiões onde a Copa vai acontecer”, pondera.
O presidente da CNDL, por sua vez, ressalta que entre um jogo e outro do torneio são quatro dias. “Historicamente, nesse evento, as pessoas percorrem 350 quilômetros rodoviários no entorno das cidades-sede, principalmente daquelas que não têm um atrativo de retenção muito grande, como as capitais distantes do litoral e as que passam por uma fase de inverno”, diz.
Os turistas não vêm só para ver as partidas, mas também para conhecer o País. Por isso, afirma Pellizzaro Junior, esses municípios do entorno devem se preparar com a mesma intensidade e força. Segundo ele, a CNDL também já tem realizado ações nesses locais.
 
Crédito
Para investir e crescer é preciso crédito, e, no caso das pequenas e médias empresas, o acesso pode não ser tão facilitado. “Hoje ele é relativamente abundante, o que se vê dificuldade são em empresas que possuem restrições em relação ao seu crédito ou uma capacidade de endividamento já esgotada. O empresário precisa dosar isso, e entender que precisa ter recursos suficientes para aproveitar essa maré boa da Copa”, aponta o presidente da CNDL.
Pellizzaro Junior também aponta a ampliação do teto da Lei Geral do Supersimples em novembro de 2011 como um facilitador para a sobrevivência do pequeno varejista na atividade.
“Isso resulta uma facilidade não só para a Copa do Mundo, mas para o dia a dia até lá e depois dele”, afirma.
O Sebrae é outra fonte que pode auxiliar na obtenção de crédito por meio de diferentes iniciativas. Uma delas é o Fundo de Aval da Micro e Pequena Empresa (Fampe), que complementa as garantias exigidas pelo banco. Para se ter uma ideia, desde 1995, quando o Fampe foi criado, já beneficiou 180 mil micro e pequenas empresas em todo o País com um total de R$ 4,7 bilhões utilizados.
A entidade também atua em parceria com o segmento de cooperativismo de crédito, que possui juros menores e menos exigências que as instituições bancárias, apoiando diversas ações e iniciativas de micro e pequenas empresas.
Por último, tem as sociedades garantidoras de crédito, que são quatro em funcionamento hoje, no Rio Grande do Sul e no Paraná. “Com apoio do Sebrae, já avalizaram R$ 12 milhões, viabilizando R$ 20 milhões em financiamentos”, esclarece o presidente nacional da instituição.
 
 
Pontapé inicial
O Grupo Fitta, pioneiro em franchising de agências de câmbio no Brasil e líder no mercado de ouro e metais preciosos, é uma das empresas que já está se preparando para o Mundial.
“Como estamos em franca expansão, acreditamos que até a Copa de 2014 teremos ainda mais pontos de atendimento. A pulverização da oferta de câmbio será algo importante para o País e para os estrangeiros que virão para o evento. Apesar de ser um torneio que dura 30 dias, durante este período acreditamos que o movimento das lojas aumentará muito”, diz o diretor comercial Luiz Ramos.
Com 62 unidades espalhadas pelo Brasil, de acordo com o executivo, as lojas e os funcionários serão preparados para receber bem os turistas. “A qualificação dos colaboradores é importante, mas não será a única estratégia adotada. Ainda estão em desenvolvimento algumas ações para o atendimento do estrangeiro sem que necessariamente ele precise ir à loja”, conta. Isso faz parte do planejamento da empresa, que prevê que a plataforma de atendimento tenha diversos pontos de contato com este público.
“Não pretendemos criar espaços diferenciados, no aspecto físico, apenas fazer com que o estrangeiro se sinta bem acolhido em nossas lojas, seja com atendimento em sua língua materna ou com uma decoração específica com o tema da competição”, afirma Ramos.
 

Recentemente a rede inaugurou uma loja no Bairro da Liberdade, em São Paulo, com atendentes que falam tanto em português como em mandarim. “A unidade busca satisfazer as necessidades específicas do público predominante naquele local. Os chineses procuram a loja para fazer remessas de dinheiro para a China, usando o nosso serviço de ‘remittance’, provido pela Western Union. Para a Copa do Mundo teremos atendimento em mais outras línguas”, conclui o diretor comercial.


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