Classe C, um mercado que não para de crescer

Poder de consumo da classe emergente – igual à soma dos PIBs de Portugal, Argentina, Uruguai e Paraguai – tem a força de imunizar o Brasil contra a crise mundial

Nas áreas de criação das agências de publicidade, no departamento de marketing das empresas, na programação de eventos, nos institutos de pesquisa e de ensino e até mesmo na secretaria encarregada de traçar estratégias para o governo federal, o desafi o é entender os desejos e aspirações da nova classe C. Isso porque, pela primeira vez na História, a classe C do Brasil, formada por lares, segundo dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), com renda mensal entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00, a valores correntes, passou a representar a maior fatia da renda nacional, com 46% dos rendimentos de pessoas físicas. De acordo com um levantamento do Ministério da Fazenda, a classe C deverá representar 56% da população brasileira em 2014, o equivalente a 113 milhões de pessoas, um crescimento de 19% em relação ao total que pertencia a essa mesma classe em 2009, formada por 95 milhões de pessoas, correspondente a 50% da população.
Ainda conforme o mesmo estudo, a classe C terá o maior crescimento no período, mostrando a mobilidade social e aumento da renda do brasileiro, já que a classe D, que em 2009 representava 24% da população, deve ser reduzida para 20% da população em 2014, enquanto a classe E deve passar de 15% para 8% no mesmo período. Já as classes A/B também devem crescer e, segundo o Ministério da Fazenda, vão representar 16%, ou 31 milhões de pessoas, em 2014. Em 2009, 11% da população brasileira pertencia a essas duas classes sociais.
Produtos como brinquedos, itens de higiene e beleza, computadores e eletroeletrônicos estão na mira dessas classes, muito mais ávidas por comprar do queas classes altas, ressalta Renato Meirelles, sócio diretor do Data Popular, primeiro instituto de pesquisas brasileiro focado no consumo de baixa renda.
“É hora de olhar com mais atenção e menos preconceito para um mercado de R$ 1 trilhão, que é o total dos rendimentos das classes C e D por ano, correspondente à soma dos PIBs de Portugal, Argentina, Uruguai e Paraguai”, diz o publicitário. “Trata-se de um mercado que não para de crescer e vai segurar o Brasil na atual crise da mesma forma que segurou em 2008.” Para as agências de propaganda, de acordo com Meirelles, o maior desafi o é romper a dissonância que existe entre quem faz a comunicação para esse público e quem a recebe. “Isso porque, em geral, os executivos de propaganda são pessoas que cresceram na classe A e têm repertório cultural, escolaridade e noções estéticas completamente diferentes”, explica. “Quando o publicitário consegue fazer uma comunicação que dialoga com a baixa escolaridade do consumidor, utiliza cores primárias e uma linguagem simples, com certeza terá retorno de vendas. Quando sofi stica demais, a comunicação não é entendida, e o consumidor simplesmente descarta a loja”, acrescenta. O maior erro que algumas empresas cometem, conforme o executivo, é achar que a meta da classe C é ser a classe A, enquanto que, na verdade, o que ele aspira é ser o vizinho que deu certo.
“Os padrões estéticos da elite não são os mesmos da classe C, que tem identidade própria e vive um processo de autoestima que a leva a procurar referências que dialogam com a sua cultura”, diz Meirelles. E exemplifi ca: “O rico adora o pretinho básico, as classes C e D adoram as cores primárias, verde, amarelo, vermelho, aquilo que muitas pessoas chamam de brega,
mas que faz parte da cultura popular brasileira, com artesanato popular. No caso das mulheres da classe C, elas são mais criteriosas nas suas escolhas e compras”. Como você resumiria em uma palavra a forma de atender esse público? “Respeito. Como isso se traduz? As regras básicas são olhar no olho, respeitar o tempo do cliente, deixá-lo à vontade e, principalmente, oferecer saídas. A classe C odeia ser tratada como pobre.”
Maioria é feminina, branca e adulta
Perfi l elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República revela que a nova classe média brasileira tem a maioria feminina (51%) e branca (52%) e é predominantemente adulta, com mais de 25 anos (63%).
Os dados são da Pesquisa de Amostra Domiciliar (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) antes do Censo 2010, e agora recompilados pela SAE para estabelecer o perfi l da classe C – que, na última década, teve o ingresso de 31 milhões de pessoas e tornou o estrato social mais volumoso.
Segundo os dados, a nova classe média é majoritariamente urbana (89%) e, em sua maioria, está em três regiões brasileiras: Sul (61%), Sudeste (59%) e Centro-Oeste (56%). O percentual da população nesse estrato social é maior em cidades de pequeno porte (45%), com menos de 100 mil habitantes, do que em regiões metropolitanas (32%) e em cidades de médio porte (23%).
Os dados educacionais revelam que 99% das crianças e adolescentes (7 a 14 anos) da classe média frequentam a escola. A proporção é a mesma que a da classe alta. A frequência escolar nas faixas etárias mais velhas é, no entanto, comparativamente menor. Na classe alta, 95% dos jovens de 15 a 17 anos e 54% dos adultos de 18 a 24 anos frequentam escola; enquanto na classe emergente, os percentuais caem para 87% e 28%, respectivamente. Conforme a SAE, seis em cada dez pessoas da classe C estão empregadas. A maioria dessas tem registro formal (42% com carteira assinada e 11% como funcionário público); 19% trabalham sem registro; outros19% trabalham por conta própria; 3% são empregadores; e 6% não são remunerados. O perfi l de formalização da classe C (53%) está acima da média nacional (47%), mas, na classe alta, o índice de formalização é maior, 59%.
De cada dez pessoas no Brasil, seis pertencem à nova classe média
A nova classe média contabiliza mais de 100 milhões de integrantes. Mais de 10 milhões de brasileiros foram incorporados à classe C no período 2009- 2011, com um crescimento de 9,12%, segundo pesquisa da FGV, divulgada em 27 de junho último.
De acordo com o estudo “Os Emergentes dos Emergentes: Refl exões Globais e Ações Globais para a Nova Classe Média Brasileira”, a classe C ganhou mais 10.524.842 de pessoas entre 2009 e 2011, em comparação a 2.558.799 que ingressaram nas classes A e B no mesmo período.
Com isso, segundo o estudo, a nova classe média brasileira passou, nos últimos dois anos, de 50,45% da população para 55,05%. A classe D perdeu 5.543.969 de brasileiros entre 2009 e 2011 (queda de 14,02%), enquanto a classe E teve redução de 4.146.862 no mesmo período (decréscimo de 15,9%).
No período entre 2003 e 2011, de acordo com a pesquisa da FGV, 39.589.412 brasileiros entraram na classe C, enquanto 9.195.974 ingressaram nas classes A e B. Já a classe D perdeu 7.976.346 pessoas (redução de 24,03%) e a classe E perdeu 24.637.406 (decréscimo de 54,18%). Os números foram obtidos por meio do cruzamento de dados entre a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), ambas realizadas pelo IBGE. Segundo a FGV, desde 2003, o crescimento da classe C, e a migração de pessoas para as classes A e B, desde 2009, ampliaram o mercado consumidor brasileiro em mais de 50 milhões de pessoas, o equivalente a mais de uma Espanha, aponta o estudo. O crescimento da economia com uma infl ação mais estabilizada, aliado à expansão do mercado de trabalho e à melhoria das condições de renda da população, com a política de recuperação do poder de compra do salário mínimo, contribuíram de forma signifi cativa com esse processo, de acordo com estudo elaborado pelos pesquisadores do Centro de Políticas Sociais da FGV.
Segundo dados elaborados pela FGV, as classes A, B e C tiveram um ingresso de 48,8 milhões de pessoas entre 2003 e 2009, sendo 13,1 milhões apenas entre 2009 e maios de 2011. “Essa análise dos dados mais recentes mostra que quase a população total da África do Sul foi incorporada às classes ABC”, destaca o documento. Em contrapartida, a base da pirâmide social, formada pelas classes D e E, foi reduzida de 96,2 milhões de pessoas em 2003 para 63,6 milhões até maio, sendo que 9,7 milhões de pessoas migraram da base social para classes mais elevadas entre janeiro de 2009 e maio de 2011.
A conquista de melhor patamar de vida é o maior objetivo
A classe C tem como principal interesse a melhoria da qualidade de vida e a conquista de um
novo patamar defi nitivo de vida, afi rma o publicitário Luiz Lara, atual presidente da Associação
Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), em entrevista a Empresa Brasil. Fundador da
agência brasileira Lew Lara, que em 2007 se associou à TBWA, integrante do grupo Omnicom,
um dos mais importantes do mundo, Lara é um dos executivos mais preparados do mercado
publicitário brasileiro. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista.
Empresa Brasil: Quem é esse novo consumidor
da classe C?
Luiz Lara: O novo consumidor da classe C chega ao mercado com um nível crítico muito maior. O Brasil pela primeira vez na sua história tem mais de 50% de sua população na classe média, devido ao ingresso de 30 milhões de novos consumidores na Classe C. Esses novos consumidores querem atender seus desejos e aspirações de consumo, utilizando o crédito para a compra de produtos e serviços que não tenham apenas preço competitivo. Eles querem marcas de prestígio que ofereçam boa relação custo/benefício, que atendam seu aspiracional de consumo. Preço baixo só não basta. A consumidora da classe C, por exemplo, quer cortar seu cabelo num local onde, ao menos por 10 minutos, tenha uma sessão de massagem, antes ou depois. Esses pequenos prazeres, essas exigências, pouco a pouco vão ingressando no dia a dia dessas consumidoras. Quando vão a lojas como C&A, Renner, Pernambucanas, Riachuelo, essas consumidoras querem moda e não apenas roupas acessíveis.
Quais os seus hábitos e preferências?
Os novos consumidores têm hábitos de consumo com bom padrão de exigência. As mulheres formam um público fundamental. A classe C tem como principal interesse a melhoria da qualidade de vida, a conquista de um novo patamar defi nitivo de vida e por isso investe em educação. Muitos pais da classe C estão se unindo aos seus fi lhos na busca de uma melhor formação universitária.
Quais os seus interesses?
Seus interesses passam pela afi rmação de seus desejos de consumo, desde a compra da casa, de eletroeletrônicos, do carro, de alimentos e produtos de higiene, limpeza e cosmética que tenham marcas aspiracionais. É uma classe batalhadora que projeta um futuro melhor para eles e seus fi lhos. Daí o investimento crescente em educação. É uma classe conectada que consome todas as mídias, passando pela TV aberta, mas que ouve rádio, lê revistas e jornais populares, acessa internet, seja no escritório, nas lan houses e que está comprando seu primeiro computador. É uma classe que, antes da compra, vê as campanhas de produtos e serviços na TV e aí acessa a internet para comparar preços e escolher as marcas que ofereçam acessibilidade dentro do crédito que eles podem utilizar. Mas reitero: querem marcas aspiracionais e não se conformam somente com preços baixos.
O que ela não tem e quer ter?
As pesquisas demonstram que a grande mudança na classe C é a conquista da autoestima, da vontade de ter prazeres e conquistas que compensem a batalha diária. A partir da evolução desta autoestima, os brasileiros da classe C estão vendo que é possível, sim, conquistar melhorias na qualidade de vida e, por isso, ser mais feliz e otimista em relação ao seu futuro. Eles querem ter casa, carro, aparelho de TV LCD, produtos como alimentos, de higiene, beleza e cosmética, bebidas com marcas que atendam a seus desejos de consumo.
Quais os mercados que atendem devidamente esse segmento?
Todos os mercados e categorias de produtos e serviços estão se movimentando para atender a classe C. Merecem destaque os segmentos de serviços fi nanceiros, que estão oferecendo inclusão e crédito bancário, lojas de varejo de alimentos, bebidas, de eletroeletrônicos, celulares, computadores e moda.
Quais os que ainda não atendem?
Há segmentos que ainda podem desenvolver melhor, como é o caso do setor automotivo, embora muitos consumidores da classe C já estejam realizando o sonho do primeiro carro. Mas há potencial de crescimento no segmento automotivo com a chegada de novas marcas e o acirramento da competitividade. Outro segmento que pode se desenvolver ainda mais é o segmento imobiliário, com a expansão crescente do crédito para a realização do sonho da casa própria. E no setor de serviços, as academias de ginástica voltadas para esse público, restaurantes populares, atividades de lazer mais em conta, enfi m, serviços que venham a atender aos desejos dessa população.
Esse público tem identidade própria ou é uma classe média baixa emergente e se comporta como tal?
Sim, esse público tem identidade própria e a sua batalha diária é pela melhoria defi nitiva de vida. É consciente do seu papel e quer investir em educação, na melhor formação de seus fi lhos. É emergente, mas se divide em diversas faixas de renda, estilos de vida e comportamentos, mas todos querem marcas de prestígio.
As marcas já entendem esse público? As marcas estão cada vez atendendo melhor esse público, lançando e adequando produtos e serviços aos hábitos de consumo dessa nova classe.
O fato é que o Brasil atingiu um novo patamar com o empoderamento de sua população. É uma grande oportunidade para as empresas desenvolverem novas categorias de produtos e serviços, investirem em comunicação e construírem marcas que atendam aos desejos dessa nova classe C.
 


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